quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Catequese de Bento XVI - A fé da Igreja - 31/10/2012



CATEQUESE - A FÉ DA IGREJA

Praça São Pedro
Quarta-feira, 31 de outubro de 2012


Queridos irmãos e irmãs,

Continuamos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque Deus que toma a iniciativa e vem ao nosso encontro; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual opera em nós e nos abre ao amor através de Deus e dos outros.  

Hoje gostaria de dar um outro passo na nossa reflexão, partindo, uma vez mais, de algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal, individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho? Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e que sinaliza uma troca de direções, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe um ponto de viragem, uma orientação nova. Na Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: crês em Deus Pai onipotente? Crês em Jesus Cristo seu único Filho? Crês no Espírito Santo? Antigamente, estas perguntas eram voltadas pessoalmente àqueles quem iam receber o Batismo, antes que se imergisse por três vezes na água. E também hoje a resposta está no singular: Creio. Mas este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não somente a Jesus, mas também a todos aqueles que caminharam e caminham na mesma via; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade crente que é a Igreja e me insere assim na multidão dos crentes em uma comunhão que não é só social, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é verdadeiramente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se é a nossa fé, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, a uma polifonia harmoniosa na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume claramente assim: “‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, apoia e nutre a nossa fé. A Igreja é Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode dizer ter Deus como Pai se não tem a Igreja como Mãe’ [são Cipriano]” (n. 181). Também a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive nessa. É importante recordar isso. 

No início da aventura cristã, quando o Espírito Santo desce com poder sobre os discípulos, no dia de Pentecoste – como narram os Atos dos Apóstolos (cfr 2, 1-13) – a Igreja nascente recebe a força para atuar na missão confiada pelo Senhor Ressuscitado: difundir em cada lugar da terra o Evangelho, a boa notícia do Reino de Deus, e conduzir, assim, cada homem ao encontro com Ele, à fé que salva. Os Apóstolos superam todo o medo ao proclamar isso que tinha ouvido, visto e experimentado na pessoa de Jesus. Pelo poder do Espírito Santo, começam a falar em línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Nos Atos dos Apóstolos nos vem dito o grande discurso que Pedro pronuncia propriamente no dia de Pentecoste. Ele parte de uma passagem do profeta Joel (3, 1-5), referindo-se a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Ele que tinha beneficiado todos, que tinha sido creditado por Deus com milagres e grandes sinais, foi crucificado e morto, mas Deus o ressuscitou dos mortos, constituindo-lhe Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cfr At 2,17-24). Ouvindo estas palavras de Pedro, muitos se sentem pessoalmente desafiados, se arrependem de seus pecados e são batizados recebendo o dom do Espírito Santo (cfr At 2, 37-41). Assim começa o caminho da Igreja, comunidade que leva este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um determinado grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de cada nação e cultura. É um povo “católico”, que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher todos, além de todos os limites, quebrando todas as barreiras. Diz São Paulo: “Aqui não há grego ou judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col 3,11).

A Igreja, portanto, desde o início é o lugar da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é imerso no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, estamos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo de Cristo, retirados do nosso isolamento. O Concílio Ecumênico Vaticano II o recorda: “Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente e sem qualquer ligação entre eles, mas quis constituir deles um povo, que o reconhecesse na verdade e fielmente O servisse” (Cost. dogm. Lumen gentium, 9). Ao lembrar a liturgia do Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. O próprio São Paulo, escrevendo aos Coríntios, afirma ter comunicado a eles o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cfr 1 Cor 15,3).

Há uma cadeia ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos sacramentos, que vem a nós e que chamamos de Tradição. Isso nos dá a garantia de que aquilo em que acreditamos é a mensagem original de Cristo, pregada pelos apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da morte e ressurreição do Senhor, da qual brota toda a herança da fé. Diz o Concílio: "A pregação apostólica, que está expressa de modo especial nos livros inspirados, devia ser repassada com sucessão contínua até o fim dos tempos" (Constituição dogmática. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Bíblia contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a preserva e a transmite com fidelidade, para que os homens de cada época tenham acesso a seus vastos recursos e se enriqueçam com seus tesouros de graça. Assim, a Igreja, "em sua doutrina, em sua vida e em seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que acredita" (ibid.).

Finalmente, gostaria de salientar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante notar que no Novo Testamento, a palavra "santos" se refere a cristãos como um todo e, certamente, nem todo mundo tinha as qualidades para ser declarado santo pela Igreja. O que se queria indicar, então, por este termo? O fato de que aqueles que viviam a fé no Cristo ressuscitado eram chamados a se tornar um ponto de referência para todos os outros, colocando-os em contato com a Pessoa e a Mensagem de Jesus, que revela o rosto do Deus vivo. E isso vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar pouco a pouco pela fé da Igreja, apesar de suas fraquezas, suas limitações e suas dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe essa luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio, afirmava que "a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo e novas motivações. A fé se fortalece se doando. "(n. 2).

A tendência, hoje generalizada, de relegar a fé ao âmbito privado, portanto, contradiz a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para confirmar a nossa fé e experimentar os dons de Deus: a Sua Palavra, os sacramentos, o apoio da graça e o testemunho do amor. Assim, o nosso "eu" no "nós" da Igreja será capaz de se perceber, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as pessoas. Em um mundo em que o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus para todo gênero humano. (ver Constituição Pastoral. Gaudium et spes, 1). Obrigado por sua atenção.





terça-feira, 30 de outubro de 2012

FALECIDOS, NÃO MORTOS


FALECIDOS, NÃO MORTOS

Dom Fernando Arêas Rifan*

No próximo dia 2 celebraremos a memória dos fieis defuntos, dos nossos falecidos, daqueles que estiveram conosco e hoje estão na eternidade, os “finados”, aqueles que chegaram ao fim da vida terrena e já começaram a vida eterna. Portanto, não estão mortos, estão vivos, mais até do que nós, na vida que não tem fim, “vitam venturi saeculi”. Sua vida não foi tirada, mas transformada. Por isso, o povo costuma dizer dos falecidos: “passou desta para a melhor!” Olhemos, portanto, a morte com os olhos da fé e da esperança cristã, não com desespero pensando que tudo acabou. Uma nova vida começou eternamente.

Os pagãos chamavam o local onde colocavam os seus defuntos de necrópole, cidade dos mortos. Os cristãos inventaram outro nome, mais cheio de esperança, “cemitério”, lugar dos que dormem. É assim que rezamos por eles na liturgia: “Rezemos por aqueles que nos precederam com o sinal da fé e dormem no sono da paz”.

Os santos encaravam a morte com esse espírito de fé e esperança. Assim São Francisco de Assis, no cântico do Sol: “Louvado sejais, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum homem pode fugir. Ai daqueles que morrem em pecado mortal. Felizes dos que a morte encontra conformes à vossa santíssima vontade. A estes não fará mal a segunda morte”. “É morrendo que se vive para a vida eterna!”. S. Agostinho nos advertia, perguntando: “Fazes o impossível para morrer um pouco mais tarde, e nada fazes para não morrer para sempre?”

Quantas boas lições nos dá a morte. Assim nos aconselha o Apóstolo São Paulo: “Enquanto temos tempo, façamos o bem a todos” (Gl 6, 10). “Para mim o viver é Cristo e o morrer é um lucro... Tenho o desejo de ser desatado e estar com Cristo” (Fl 1, 21.23). “Eis, pois, o que vos digo, irmãos: o tempo é breve; resta que os que têm mulheres, sejam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem, porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 29-31).

Diz o célebre livro A Imitação de Cristo que bem depressa se esquecem dos falecidos: “Que prudente e ditoso é aquele que se esforça por ser tal na vida qual deseja que a morte o encontre!... Não confies em amigos e parentes, nem deixes para mais tarde o negócio de tua salvação; porque, mais depressa do que pensas se esquecerão de ti os homens. Melhor é fazeres oportunamente provisão de boas obras e enviá-las adiante de ti, do que esperar pelo socorro dos outros” (Imit. I, XXIII). O dia de Finados foi estabelecido pela Igreja para não deixarmos nossos falecidos no esquecimento.

Três coisas pedimos com a Igreja para os nossos falecidos: o descanso, a luz e a paz. Descanso é o prêmio para quem trabalhou. O reino da luz é o Céu, oposto ao reino das trevas que é o inferno. E a paz é a recompensa para quem lutou. Que todos os que nos precederam descansem em paz e a luz perpétua brilhe para eles. Amém

* Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney



quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Catequese de Bento XVI - A natureza da fé - 24/10/2012




CATEQUESE - A natureza da fé 


Praça São Pedro - Vaticano
Quarta-feira, 24 de outubro de 2012


Caros irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei com uma nova série de catequeses sobra a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Há ainda um sentido para a fé em um mundo em que a ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um certo conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida.

Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai para a construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece tornar-se verdadeiramente livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça. Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer comente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, porém, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas perguntas insuprimíveis, aparece como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, embora importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não somente do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajuda a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá propriamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diversa, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência. A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Certamente esta adesão a Deus não é privada de conteúdo: com essa sabemos que Deus mesmo se mostrou a nós em Cristo, fez ver a sua face e se fez realmente próximo a cada um de nós. Mais, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é sem medida: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem, nos mostra do modo mais luminoso a que ponto chega este amor, até a doação de si mesmo, até o sacrifício total. Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação. Ter fé é encontrar este “Tu”, Deus, que me apoia e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar em Deus com a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais vezes – na nossa vida cotidiana, caracterizada por problemas e situações às vezes dramáticas – sobre o fato de que crer de forma cristã significa este abandonar-me com confiança ao sentido profundo que apoia a mim e ao mundo, aquele sentido que nós não somos capazes de dar, mas somente de receber como dom, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem medo. E esta certeza libertadora e tranquilizante da fé, devemos ser capazes de anunciá-la com a palavra e de mostrá-la com a nossa vida de cristãos.

Ao nosso redor, porém, vemos cada dia que muitos permanecem indiferentes ou recusam-se a acolher este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado que diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16), perde a si mesmo. Gostaria de convidá-los a refletir sobre isso. A confiança na ação do Espírito Santo nos deve impulsionar sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao corajoso testemunho da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé, há também o risco de rejeição ao Evangelho, do não acolhimento ao nosso encontro vital com Cristo. Santo Agostinho já colocava este problema em seu comentário da parábola do semeador: “Nós falamos – dizia – lançamos a semente, espalhamos a semente. Existem aqueles que desprezam, aqueles que reprovarão, aquelas que zombam. Se nós temos medo deles, não temos mais nada a semear e no dia da ceifa ficaremos sem colheita. Por isso venha a semente da terra boa” (Discurso sobre a disciplina cristã, 13, 14: PL 40, 677-678). A recusa, portanto, não pode nos desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: a nossa fé, mesmo nas nossas limitações, mostra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, existe a semente boa, e dá fruto.

Mas perguntamos: onde atinge o homem aquela abertura do coração e da mente para crer no Deus que se fez visível em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de forma que Ele e seu Evangelho sejam o guia e a luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé existe o Batismo, o Sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo, então, cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). Na verdade, as implica e as exaltam, em uma aposta de vida que é como um êxodo, isso é, uma saída de si mesmo, de suas próprias seguranças, de seus próprios pensamentos, para confiar na ação de Deus que nos indica o seu caminho para conseguir a verdadeira liberdade, a nossa identidade humana, a alegria verdadeira do coração, a paz com todos. Crer é confiar com toda a liberdade e com alegria no plano providencial de Deus na história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, a abre ao caminho para uma plenitude de significado, a torna então nova, rica de alegria e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo requer cristãos que foram apreendidos por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustenta no caminho e nos abre à vida que nunca terá fim. Obrigado.

Bento XVI



terça-feira, 23 de outubro de 2012

ENCÍCLICA "QUOD APOSTOLICI MUNERIS" Leão XIII sobre o Comunismo.


CARTA ENCÍCLICA
"QUOD APOSTOLICI MUNERIS"

aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e outros Ordinários em paz e comunhão com a Santa Sé Apostólica: 

Sobre o socialismo e comunismo.


LEÃO XIII, PAPA


Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
INTRODUÇÃO

Crescem os males da sociedade.

1. Obedecendo ao dever do Nosso cargo apostólico, não deixamos logo no princípio do Nosso Pontificado, nas cartas encíclicas que Vos dirigimos, Veneráveis Irmãos, de apontar esta peste mortal que se introduz como a Serpente por entre as articulações mais íntimas dos membros da sociedade humana, e a coloca num perigo extremo. Ao mesmo tempo vos indicamos os remédios mais eficazes para que a sociedade possa voltar ao caminho da salvação e escapar aos graves perigos que a ameaçam. Mas os males, que então deploramos, aumentam tão rapidamente, que somos de novo obrigado a dirigir-Vos a palavra, porque nos pareceu ouvir mais uma vez ressoar aos nossos ouvidos estas palavras do Profeta: ‘Clama, não cesses de clamar, levanta a tua voz e que ela seja semelhante a uma trombeta” (Is 63,1).

Socialismo, comunismo, niilismo.

2. Vós compreendereis facilmente que Nos referimos a essa seita de homens que, debaixo de nomes diversos e quase bárbaros, se chamam socialistas, comunistas ou niilistas, e que, espalhados sobre toda a superfície da terra, e estreitamente ligados entre si por um pacto de iniquidade, já não procuram um abrigo nas trevas dos conciliábulos secretos, mas caminham ousadamente à luz do dia, e se esforçam por levar a cabo o desígnio, que têm formado de há muito, de destruir os alicerces da sociedade civil. É a eles, certamente, que se referem as sagradas letras quando dizem: “Eles mancham a carne, desprezam o poder e blasfemam da majestade” (Jud 8).

Contra a sociedade.

3. Nada deixam intacto ou inteiro do que foi sabiamente estabelecido pelas leis divinas e humanas para a segurança e honra da vida. Enquanto censuram a obediência, devida às autoridades às quais o Apóstolo nos ensina que toda a alma deve ser sujeita e que receberam por empréstimo de Deus o direito de mandar, eles pregam a igualdade absoluta de todos os homens no que diz respeito aos direitos e deveres. A união natural do homem e da mulher, sagrada até entre as próprias nações bárbaras, eles a desonestam; e este laço, no qual se encerra principalmente a sociedade doméstica, enfraquecem-no e até o entregam ao mero capricho da sensualidade.

Contra a propriedade.

4. Seduzidos por fim pela cobiça dos bens presentes, que é “a origem de todos os males e que faz errar na fé aqueles em quem domina” (1 Tim 6,10), eles combatem o direito de propriedade, sancionado pela lei natural; e, por um atentado monstruoso, enquanto afetam tomar interesse pelas necessidades de todos os homens e pretendem satisfazer todos os seus desejos, trabalham por arrebatar e pôr em comum tudo o que tem sido adquirido ou por título de legitima herança, ou pelo trabalho do espírito e das mãos, ou pela economia.

Contra a autoridade.

5. E estes monstruosos erros, eles os proclamam nas suas reuniões, os advogam nos seus panfletos e os semeiam entre o povo por meio de uma nuvem de jornais. De onde se segue que a majestade respeitável dos Reis e a autoridade estão expostas, a tal ódio da plebe sediciosa, que alguns culpáveis traidores, insofridos de todo o freio, várias vezes num curto espaço de tempo, animados de ímpia audácia, têm apontado repetidamente as suas armas contra os próprios chefes das nações.

ORIGEM DE TAIS DOUTRINAS

O racionalismo.

6. Esta audácia de homens pérfidos, que ameaça com uma ruína cada vez mais grave a sociedade civil, e enche de inquietação e temor todos os espíritos, tira a sua origem e a sua causa dessas doutrinas envenenadas, que, em tempos anteriores, espalhadas como germe de corrupção entre os povos, têm produzido a seu tempo frutos deletérios.

7. Efetivamente sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que a guerra encarniçada que os Inovadores declararam, a partir do século XVI, contra a fé católica, e que tem aumentado de dia para dia cada vez mais, até à nossa época, tende a este fim, que, recusando toda a revelação e suprimindo toda a ordem sobrenatural, esteja aberto o campo às invenções, ou antes aos delírios da razão somente. Este erro, que da razão indevidamente tira o nome, lisonjeia e excita o orgulho do homem e tira o freio a todas as suas paixões: por isso invadiu naturalmente não só o espírito de muitos indivíduos, mas também, em grande escala, a sociedade civil.

SEUS FRUTOS

O Estado, e o Ensino sem Deus.

8. Daí veio que, por uma nova iniquidade, desconhecida até aos pagãos, os Estados se constituíram sem fazerem caso algum de Deus, nem da ordem por Ele estabelecida; a autoridade pública foi declarada corno não tirando de Deus nem o seu principio, nem a majestade, nem a força de mandar, mas que provinha da multidão, que, reputando-se livre de toda a sanção divina, julgou que devia submissão apenas às leis que ela mesma fizesse, consoante o seu capricho. Sendo combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais da fé como contrárias à razão, o próprio Autor e Redentor do gênero humano é insensivelmente e pouco a pouco banido das Universidades, dos liceus, dos colégios e de todo o uso púbico da vida humana.

A rebelião dos necessitados.

9. Entregues ao olvido recompensas e castigos da vida futura e eterna, o desejo ardente da felicidade foi circunscrito aos limites do tempo presente. Estando por toda parte profusamente espalhadas estas doutrinas e introduzindo-se em todos os lugares esta extrema licenciosidade de pensamento e de ação, não é para admirar que os homens de ínfima condição, cansados da pobreza de suas casas ou pequenas oficinas, tenham inveja de se elevarem até aos palácios e à fortuna dos ricos: não é para admirar que já não haja tranquilidade na vida pública e particular, e que o gênero humano esteja já chegado quase à borda do abismo.

OS PAPAS ALERTAM OS POVOS

10. Entretanto os Pastores Supremos da Igreja, a quem incumbe o cuidado de preservar o rebanho do Senhor dos embustes do inimigo, empregaram logo ao princípio todos os seus esforços para afastar o perigo e prover à salvação dos fiéis. Efetivamente, depois que começaram a formar-se as sociedades secretas, em cujo seio já se iam desenvolvendo os germes dos erros que temos apontado, os Pontífices romanos Clemente XII e Bento XIV não se descuidaram em desmascarar os desígnios ímpios das seitas e avisar os fiéis do mundo inteiro do mal que s1hes preparava secretamente.

O filosofismo, As seitas ocultas.

11. Depois que os que se ufanavam do nome de filósofos atribuíram ao homem uma espécie de independência desenfreada e começaram a inventar e sancionar o que chamam o direito novo, contrário à lei natural e divina, o Papa Pio VI, de saudosa memória, assinalou imediatamente, com documentos públicos, o caráter iníquo e a falsidade destas doutrinas e ao mesmo tempo predisse, com previdência apostólica, o estado ruinoso ao qual o povo, miseravelmente enganado, seria conduzido. Contudo, como se não tomou medida alguma eficaz para impedir que as perversas doutrinas das seitas se espalhassem cada vez mais pelos povos e penetrassem nos altos públicos dos governos, os Papas Pio VII e Leão XII anatematizaram estas seitas secretas e avisaram de novo a sociedade do perigo que a ameaçava.

O socialismo.

12. Finalmente, todos sabem com que gravidade de linguagem, com que firmeza e constância o Nosso glorioso Predecessor Pio IX, de saudosa memória, combateu, quer nas suas alocuções, quer nas suas Encíclicas dirigidas aos Bispos de todo o mundo, tanto os esforços iníquos das seitas, como nomeadamente a peste do socialismo, que já irrompia dos seus antros.

Os governantes desconfiam da Igreja.

13. Mas é muito para lastimar que os que se encarregaram de vigiar, pelo bem público, enganados pelos ardis dos ímpios e assustados pelas suas ameaças, sempre deram prova de desconfiança e até de injustiça para com a Igreja, não compreendendo que todos os esforços das seitas teriam sido impotentes se a doutrina da Igreja católica e a autoridade dos Pontífices romanos tivessem sempre sido devidamente respeitadas pelos príncipes e pelos povos. Porque “a Igreja do Deus vivo, que é a coluna e o sustentáculo da verdade” (1 Tim 3,15), ensina as doutrinas e princípios, cuja verdade consiste em assegurar inteiramente a salvação e tranquilidade da sociedade e desarraigar completamente o germe funesto do socialismo.

OPOSIÇÃO ENTRE A DOUTRINA DO EVANGELHO E O SOCIALISMO

O igualitarismo socialista.

14. Porque, ainda que os socialistas, abusando do próprio Evangelho, a fim de enganarem mais facilmente os espíritos incautos, tenham adotado o costume de o torcerem em proveito da sua opinião, -entretanto a divergência entre as suas doutrinas depravadas e a puríssima doutrina de Cristo é tamanha que maior não podia ser. Pois “que pode haver de comum entre a justiça e a iniquidade. Ou que união entre a luz e as trevas?” (2 Cor 6,14). Os socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a natureza; afirmam, como consequência, que não se devem honras nem veneração à majestade dos soberanos, nem obediência às leis, a não serem estabelecidos por eles próprios e segundo o seu gosto.

A Igualdade evangélica.

15. Mas, ao contrário, segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza, “de quem toda a paternidade tira o nome, no céu e na terra” (Ef 3,15).

16. Mas as almas dos príncipes e dos súbditos estão, segundo a doutrina e preceitos católicos, ligadas de tal sorte, por deveres e direitos mútuos, que se modere o desejo de dominar e o motivo da obediência se torne fácil, constante e nobilíssimo.

Doutrina da Igreja sobre o poder.

17. Por isso a Igreja inculca constantemente aos súbditos o preceito do Apóstolo: “Não há poder que não venha de Deus e os que existem foram ordenados por Deus. Aquele, pois, que resiste ao poder resiste à ordem de Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação”. E de novo ordena que sejam submissos não só por temor, mas também por motivos de consciência, e que se dê a cada um o que for devido: “a quem o imposto, o imposto; a quem o temor, o temor; a quem a honra, a honra” (Rom 13,1-7). Aquele que criou e governa todas as coisas regulou com a sua sabedoria providencial que as íntimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu fim.

18. Por isso, assim como no céu quis os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor 12,27>; assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum.

Admoestação aos que governam.

19. Mas, para que os regentes dos povos usem do poder que lhes é concedido para edificar e não para destruir, a Igreja de Cristo avisa-os muito a propósito de que a severidade do julgamento supremo ameaça também os príncipes, e repetindo as palavras da Divina Sabedoria brada a todos em nome de Deus: “Prestai atenção, vós que dirigis as multidões e que vos comprazeis do número das nações, porque o poder vos foi dado por Deus e a força pelo Altíssimo que examinará as vossas obras e perscrutará os vossos pensamentos... Porque o julgamento dos que governam será muito severo.. . Deus efetivamente não excetuará pessoa alguma nem terá atenção com as grandezas de ninguém, pois Deus criou o pequeno e o grande e tem igual cuidado por todos; mas para os mais fortes está reservado um castigo mais forte” (Sab 6,3 ss).

Contra o abuso do poder. 

A paciência e a oração. 

20. Se, portanto, acontecer alguma vez que o poder púbico seja exercido pelos príncipes temerariamente e ultrapassando os limites da justiça, a doutrina da Igreja católica não permite que os súbitos se revoltem contra eles, com receio de que a tranquilidade da ordem fique ainda mais perturbada e por isso a sociedade sofra um prejuízo muito maior. E, quando as coisas chegarem ao ponto de já não brilhar esperança alguma de salvação, a Igreja ensina que o remédio deve ser rogado e apressado pelos merecimentos da paciência cristã e com fervorosas orações a Deus.

21. Se a vontade dos legisladores e dos príncipes sancionar ou ordenar alguma coisa que esteja em oposição com a lei divina ou natural, a dignidade e o dever do nome cristão, assim como o preceito apostólico, prescrevem que devemos “obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5,29).


A SOCIEDADE DOMÉSTICA

22. A própria sociedade doméstica, que é o princípio e a base da cidade e do reino, ressente e experimenta necessariamente esta virtude salutar da Igreja, que contribui para a perfeita organização e para a conservação da sociedade civil. Pois bem sabeis, Veneráveis Irmãos, que a verdadeira constituição da sociedade é baseada, segundo a necessidade do direito natural, diretamente sobre a união indissolúvel do homem e da mulher e que é completada pelos direitos e deveres mútuos entre os pais e os filhos, entre os amos e os criados. Sabeis também que as doutrinas do socialismo desorganizam completamente a sociedade, porque, perdendo o apoio que lhe dá o casamento religioso, tem forçosamente de ver enfraquecer-se o poder do pai sobre os filhos, e os deveres dos filhos para com os pais.

23. A Igreja, pelo contrário, nos ensina que o casamento respeitável em tudo (Heb 13,4), instituído pelo próprio Deus no princípio do mundo para a propagação e conservação do gênero humano, e por Ele decretado indissolúvel, foi feito mais indissolúvel e mais santo ainda por Cristo, que lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e dele fez a figura da sua união com a Igreja.

24. Por consequência, é necessário, segundo as exortações do Apóstolo (Ef 5,23), que o homem seja o chefe da mulher como Cristo é o Chefe da Igreja, e que as mulheres sejam submissas a seus maridos e deles recebam as provas de amor fiel e constante, como a Igreja é submissa a Cristo, que a abraça com amor eterno e castíssimo.

Poder paterno e heril.

25. A Igreja regula igualmente o poder dos pais e dos amos, a fim de que possam conter os filhos e os criados no cumprimento dos seus deveres, sem se afastarem dos Imites da justiça. Porque, segundo a doutrina católica, a autoridade dos pais e dos amos deriva da autoridade do Pai e do Senhor celeste. Por consequência tira dela não somente a origem a força, mas até, e muito necessariamente, a sua essência e caráter. Daí vem que o Apóstolo exorta os filhos “a obedecer a seus pais no Senhor e a honrarem seu pai e mãe, que é o primeiro mandamento acompanhado de promessa” (Ef 6,1-2). E aos pais diz: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à cólera, mas dai-lhes educação instruindo-os e corrigindo-os segundo o Senhor” (Ei 6,4).

Relações entre amos e criados.

26. E mais adiante o mesmo Apóstolo recomenda aos criados e aos amos: aos primeiros que “Obedeçam a seus senhores segundo a carne, como ao próprio Jesus Cristo servindo-os de bom grado como ao Senhor; aos outros que e não excedam em ameaças nem maus tratos, lembrando-se que Deus é o Senhor de todos, e que para Ele não há distinção de pessoas” (Ef 6,5-9).

27. Se todas estas coisas fossem observadas por aqueles a quem dizem respeito, conforme a disposição da vontade divina, cada família ofereceria a imagem da morada celeste e os insignes benefícios que dai resultariam não ficariam encerrados unicamente dentro das paredes da casa, mas espalhar-se-iam também profusamente nos Estados.

DIREITO DE PROPRIEDADE

28. Quanto à tranquilidade da sociedade pública e doméstica, a sabedoria católica, apoiada nos preceitos da lei natural e divina, a isso provê muito prudentemente com suas doutrinas e ensinos sobre o direito da propriedade e sobre a partilha dos bens que são arranjados para as necessidades e utilidades da vida. Porque os sectários do socialismo, apresentando o direito de propriedade como uma invenção humana que repugna à igualdade natural dos homens, e reclamando o comunismo dos bens, declaram que é impossível suportar com paciência e pobreza e que as propriedades e regalias dos ricos podem ser violadas impunemente. Mas a Igreja, que reconhece muito mais útil e sabiamente que existe a desigualdade entre os homens, naturalmente diferentes nas forças do corpo e do espírito, e que esta desigualdade também existe na propriedade dos bens, determina que o direito de propriedade ou domínio, que vem da própria natureza, fique intacto e inviolável para cada um.

Condenação da rapina.

Desv1o pelos pobres.

29. Ela sabe, efetivamente, que o roubo e o latrocínio foram proibidos por Deus, autor e defensor de todos os direitos, de tal forma que nem sequer é permitido desejar os bens doutrem, e que os ladrões e roubadores, assim como os adúlteros e idólatras, são excluídos do reino dos céus. Mas entretanto a Igreja, esta piedosa mãe, nem por isso despreza o cuidado pelos pobres nem se descuida de prover às suas necessidades, porque, abraçando-os com a sua ternura maternal e sabendo que eles representam o próprio Jesus Cristo, que considera como feito a Ele o bem que por qualquer for feito ao mais ínfimo dos pobres, os tem em grande consideração; ela os ajuda por todos os meios possíveis, toma a seu cargo mandar levantar por todo o mundo casas e hospícios para os receber, sustentar e tratar, e os toma debaixo da sua proteção.

30 Além disso, impõe como rigoroso dever aos ricos dar o supérfluo aos pobres e ameaça-os com o juízo de Deus que os condenará aos suplícios eternos, se não acudirem às necessidades dos indigentes. Enfim, atenta e consola o coração dos pobres, quer apresentando-lhes o exemplo de Jesus Cristo que, “sendo rico, quis fazer-se pobre por nós” (2 Cor 8,9), quer lembrando-lhes as suas palavras, pelas quais declara felizes os pobres e ordena-lhes que esperem as recompensas da felicidade eterna.

31. Quem não verá, na verdade, que é este o melhor meio de apaziguar a antiga questão entre os pobres e os ricos? Porque, a própria evidência das coisas e dos fatos bem o demonstra, desprezado ou rejeitado este meio, terá de acontecer necessariamente uma de duas Coisas: ou a maior parte do gênero humano será reduzida à ignominiosa condição dos escravos, como o foi por muito tempo entre os pagãos, ou a sociedade será agitada por perturbações continuas e desolada pelos roubos e assassínios, como muito recentemente ainda tivemos o desgosto de ver.

Exortação aos povos e autoridades.

32. Sendo isto assim, Veneráveis Irmãos, Nós, a quem incumbe, há pouco tempo, o governo de toda a Igreja, depois de termos mostrado desde o princípio do Nosso Pontificado aos povos e aos príncipes, acossados pelo furor da tempestade, o porto onde encontrariam um abrigo seguro, impelidos agora pelo gravíssimo perigo que está ameaçando, fazemos de novo ressoar a seus ouvidos a palavra apostólica para a salvação dos mesmos, bem como para a salvação de seus Estados. Nós lhes pedimos, Nós lhes rogamos instantemente que aceitem o magistério da Igreja tão benemérita dos Estados, debaixo do ponto de vista da prosperidade pública, e que atentem bem que os interesses do Estado e os da religião, estão de tal forma unidos entre si, que tudo quanto se fizer perder a esta última, outro tanto enfraquece o dever dos súditos e a majestade do poder.

E quando reconhecerem que, para afastar esta peste do socialismo, a Igreja possui uma força como nunca tiveram nem as leis humanas, nem as repressões dos magistrados, nem as armas dos soldados, tratarão de restituir logo à Igreja a condição e liberdade tais, que possa exercer esta força tão salutar para o bem comum de toda a sociedade humana.


EXORTAÇÃO AO EPISCOPADO

Prevenir as crianças.

33. Quanto a Vós, Veneráveis Irmãos, que reconheceis perfeitamente a origem e o caráter dos males que nos assolam por toda a parte, tratai com todas as veras e com todo o esforço do vosso espírito de espalhar e fazer penetrar profundamente nas, almas a doutrina católica. Esforçai-vos por que todos os cristãos acostumem seus filhos desde a mais tenra idade a amar a Deus e a respeitar a Sua santa vontade, a inclinarem-se perante a majestade dos príncipes e das leis, e refrear as paixões e a conservar escrupulosamente a ordem que Deus estabeleceu na sociedade civil e na sociedade doméstica.

Não apoiar o socialismo.

34. É necessário, além disto, que trabalheis para que os filhos da Igreja Católica não ousem, seja debaixo de que pretexto for, filiar-se na seita abominável, nem favorecê-la. E também que por ações nobres e pela honradez do seu comportamento mostrem como a sociedade humana seria feliz, se cada um dos seus membros brilhasse pela rectidão dos seus atos e pelas suas virtudes.

Fomentar as associações de proletários sob a tutela da Igreja.

35. Finalmente, como se procuram sobretudo sectários na classe dos homens que exercem oficio, que alugam o seu trabalho e que, cansados da condição de trabalhadores, são muito facilmente seduzidos pela esperança das riquezas e pelas promessas de fortuna, parece oportuno sustentar as sociedades de artistas e operários, que, fundadas debaixo da proteção da Religião, ensinam a todos os associados que se contentem com a sua sorte e suportem o trabalho com paciência e os persuadam a que tenham uma vida sossegada e tranquila.

Confiança em Deus.

36. Favoreça os Nossos esforços e os Vossos, Veneráveis Irmãos, Aquele a quem somos obrigados a atribuir o princípio e o êxito de todo o bem. Aliás, nestes dias em que celebramos o Nascimento de Nosso Senhor, encontramos motivos de esperança de um socorro muito próximo. Efetivamente, esta nova salvação que Cristo recém-nascido trouxe ao mundo já envelhecido e quase decomposto pela enormidade de seus males, Ele nos ordena que a esperemos também; e aquela paz anunciada aos homens pelos Anjos, também prometeu que no-la dava. “A mão do Senhor não se retirou para não nos poder salvar, nem aos seus ouvidos se obstruíram para não nos poder ouvir” (Is 59,1). Nestes dias, pois, de feliz auspício, Nós vos desejamos a Vós, Veneráveis Irmãos, e a todos os fiéis das Vossas Igrejas, todas as felicidades e todas as alegrias; e Nós rogamos com instância Àquele que dá todos os bens — “para que de novo apareça aos homens a benignidade de Deus nosso Salvador” (T-ito 3,4), que, depois de nos ter arrancado do poder do Nosso terrível inimigo, nos elevou à nobilíssima dignidade de filhos.

37. E a fim de que os Nossos votos sejam mais pronta e completamente realizados, juntai-Vos a Nós, Veneráveis Irmãos, para dirigir a Deus fervorosas orações; invocai também a proteção da bem-aventurada Virgem Maria, Imaculada desde a origem, e de S. José seu esposo, e dos bem-aventurados Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, em cuja intercessão temos a maior confiança. Entretanto, como penhor dos favores celestes, Nós Vos damos do fundo do coração, no Senhor, a Bênção Apostólica, a Vós, Veneráveis Irmãos, ao Vosso clero e a todos os povos fiéis.

Dada em Roma, junto de S. Pedro, aos 28 de dezembro de 1878, primeiro ano do Nosso Pontificado.


LEÃO XIII, PAPA


ENCÍCLICA IN EMINENTI APOSTOLATUS SPECULA de Clemente XII sobre as Sociedades Secretas.


CARTA ENCÍCLICA
IN EMINENTI APOSTOLATUS SPECULA
DO SUMO PONTÍFICE CLEMENTE XII
28 DE ABRIL DE 1738
(Sobre as Sociedades Secretas)

CLEMENTE, bispo, servo dos servos de Deus a todos os fiéis, Saudações e Bênçãos Apostólicas.

1.Tendo-nos colocado a Divina Providência, apesar de nossa indignidade, na cátedra mais elevada do Apostolado, para vigiar sem cessar pela segurança do rebanho que nos tem sido confiado, temos dedicado todos os nossos cuidados, no que a ajuda do alto nos tem permitido, e toda a nossa aplicação tem sido para opor ao vicio e erro uma barreira que detenha seu progresso, para conservar especialmente a integridade da religião ortodoxa [refere-se o Papa à Igreja Católica Romana*], e para afastar do Universo católico nestes tempos tão difíceis, tudo o que puder ser para eles motivo de perturbação.

2.Demos conta, e o rumor público não nos permitiu duvidar, que foram formadas, e que se afirmavam dia após dia, centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos, que sob o nome de “Liberi Muratori” ou “Franco-mações” ou sob outra denominação equivalente, segundo a diversidade de línguas, nas quais eram admitidas indiferentemente pessoas de todas as religiões, e de todas as seitas, que com a aparência exterior de uma natural probidade, que ali se exige e se cumpre, estabeleceram certas leis, certos estatutos que as ligam entre si, e que, em particular, os obrigam às penas mais graves, em virtude do juramento sobre as santas Escrituras, a guardar um segredo inviolável sobre tudo o que sucede em suas assembleias.

3.Mas como tal é a natureza humana do crime que se atraiçoa a si mesmo, e que as mesmas preocupações que toma para ocultar-se o descobrem pelo escândalo que não pôde conter, esta sociedade e suas assembleias chegaram a fazer-se tão suspeitas aos fieis, que todo o homem de bem as considera hoje como um sinal pouco equívoco de perversão para qualquer quer um que as adote. Se não fizessem nada de mau não sentiriam esse ódio à luz.

4.Por conseguinte, desde à muito tempo, estas sociedades têm sido sabiamente proscritas por numerosos príncipes em seus Estados, já que consideraram a esta classe de gente como inimigos da segurança pública.

5. Depois de uma madura reflexão, sobre os grandes males que se originam habitualmente dessas associações, sempre prejudiciais para a tranquilidade do Estado e a saúde das almas, e que, por esta causa, não podem estar de acordo com as leis civis e canônicas, instruídos por outra parte, pela própria palavra de Deus, que em qualidade de servidor prudente e fiel, elegido para governar o rebanho do Senhor, devemos estar continuamente em guarda contra as gentes desta espécie, por medo a que, a exemplo dos ladrões, assaltem nossas casas, como acontece com as raposas que se lançam sobre a vinha e semeiam por todo o lado a desolação, ou seja, o temor a que seduzam as gentes simples e firam secretamente com suas flechas os corações dos simples e dos inocentes.

6.Finalmente, querendo deter os avanços desta previsão, e proibir uma via que daria lugar a deixar-se ir impunemente a muitas iniquidades, e por outras várias razões de nós conhecidas, e que são igualmente justas e razoáveis; depois de ter deliberado com nossos veneráveis irmãos os Cardeais da santa Igreja romana, e por conselho seu, assim como por nossa própria iniciativa e conhecimento certo, e em toda a plenitude de nossa potência apostólica, resolvemos condenar e proibir, tal como condenamos e proibimos, os sobreditos centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos de Liberi Muratori ou Franco-mações ou qualquer que seja o nome com que se designem, por esta nossa presente Constituição, válida para a perpetuidade.

7.Por tudo o referido, proibimos muito expressamente e em virtude da santa obediência, a todos os fieis, sejam laicos ou clérigos, seculares ou regulares, compreendidos aqueles que devem ser muito especialmente nomeados, de qualquer estado grau, condição, dignidade ou preeminência que desfrutem, quaisquer que fossem, que entrem por qualquer causa e sob pretexto algum em tais centros, reuniões, agrupamentos, agregações ou conventículos antes mencionados, nem favorecer seu progresso, recebê-los ou oculta-los em sua casa, nem tampouco associar-se aos mesmos, nem assistir, nem facilitar suas assembleias, nem presta-lhes ajuda ou favores em público ou em privado, nem operar direta ou indiretamente por si mesmo ou por outra pessoa, nem exortar, induzir nem comprometer-se com ninguém para fazer adotar nestas sociedades, assistir a elas nem prestar-lhes nenhuma classe de ajuda ou fomentá-las; lhes ordenamos pelo contrário, absterem-se completamente destas associações ou assembleias, sob a pena de excomunhão, na que incorrerão os infratores que mencionamos pelo simples fatos e sem outra declaração; de cuja excomunhão não poderão ser absolvidos mais que por nós ou por o Soberano Pontífice então reinante, que não seja em “articulo mortis”. Queremos ademais e ordenamos que os bispos, prelados, superiores, e o clero ordinário, assim como os inquisidores, procedam contra os infratores de qualquer grau, condição, ordem, dignidade ou preeminência; trabalhem para redimi-los e castigá-los com as penas que mereçam a título de pessoas veementemente suspeitas de heresia.

8.A este efeito, damos a todos e a cada um deles o poder para persegui-los e castigá-los segundo os caminhos do direito, recorrendo, se assim for necessário, ao Braço secular.

9.Queremos também que as cópias da presente Constituição tenham a mesma força que a original, desde o momento que sejam legalizadas ante notário público, e com o selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica.

10.Contudo, ninguém deve ser demasiado temerário para atrever-se a atacar ou a contradizer a presente declaração, condenação, defesa e proibição, Se alguém levasse sua ousadia até este ponto, já sabe que incorrerá na cólera de Deus todo-poderoso e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, na igreja de Santa Maria maior, no ano de 1738 depois da Encarnação de Jesus Cristo, nas 4 calendas de maio. O ano VIII do nosso pontificado.
Clemente XII, Papa





Parece-nos que os documentos eclesiásticos anteriores ao Concílio Vaticano II sumiram todos... ou que perderam sua validade. Por uma hermenêutica da continuidade, pela preservação da doutrina de sempre, pela Fé, divina e católica!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Homilia do Papa: canonização de sete beatos da Igreja - 21/10/2012




 
HOMILIA
Santa Missa - Canonização de sete beatos da Igreja
Praça São Pedro
Domingo, 21 de outubro de 2012


O Filho do homem veio para servir e dar a sua vida como resgate para muitos (cf. Mc 10,45)

Venerados irmãos,

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje a Igreja escuta mais uma vez estas palavras de Jesus, pronunciadas durante o caminho rumo a Jerusalém, onde devia cumprir-se o seu mistério de paixão, morte e ressurreição. São palavras que manifestam o sentido da missão de Cristo na terra, marcada pela sua imolação, pela sua doação total. Neste terceiro domingo de outubro, no qual se celebrar o Dia Mundial das Missões, a Igreja as escuta com uma intensidade particular e reaviva a consciência de viver totalmente em um perene estado de serviço ao homem e ao Evangelho, como Aquele que se ofereceu a si mesmo até o sacrifício da vida.

Dirijo a minha cordial saudação a todos vós, que encheis a Praça de São Pedro, nomeadamente as Delegações oficiais e os peregrinos vindos para festejar os novos sete Santos. Saúdo com afeto os Cardeais e Bispos que nestes dias estão participando da Assembléia sinodal sobre a Nova Evangelização. É providencial a coincidência entre esta Assembléia e o Dia das Missões; e a Palavra de Deus que acabamos de escutar se mostra iluminadora para ambas. Esta nos mostra o estilo do evangelizador, chamado a testemunhar e anunciar a mensagem cristã conformando-se a Jesus Cristo, seguindo o Seu mesmo caminho.

O Filho do homem veio para servir e dar a sua vida como resgate para muitos (cf. Mc 10,45)

Estas palavras constituíram o programa de vida dos sete beatos que a Igreja hoje inscreve solenemente na gloriosa fileira dos Santos. Com coragem heróica eles consumiram a sua existência na consagração total a Deus e no serviço generoso aos irmãos. São filhos e filhas da Igreja, que escolheram a vereda do serviço seguindo o Senhor. A santidade na Igreja teve sempre a sua fonte no mistério da Redenção, que já prefigurava o profeta Isaías na primeira Leitura: o Servo do Senhor, o justo que "fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas" (Is 53,11), é Jesus Cristo, crucificado, ressuscitado e vivo na glória. A celebração hodierna constitui uma confirmação eloquente dessa misteriosa realidade salvífica. A tenaz profissão de fé destes sete discípulos generosos de Cristo, a sua conformação ao Filho do Homem resplandece hoje em toda a Igreja.

Jacques Berthie, nascido em 1838, na França, foi desde muito cedo um enamorado de Jesus Cristo. Durante o seu ministério paroquial, desejou ardentemente salvar as almas. Ao fazer-se jesuíta, queria percorrer o mundo para a glória de Deus. Pastor incansável na Ilha de Santa Maria e depois em Madagascar, lutou contra a injustiça, levando alívio para os pobres e enfermos. Os malgaxes o consideravam um sacerdote vindo do céu, e diziam: Tu és o nosso "pai e mãe"! Ele se fez tudo para todos, haurindo na oração e no amor do Coração de Jesus a força humana e sacerdotal para enfrentar o martírio, em 1896. Morreu dizendo: "Prefiro antes morrer que renunciar à minha fé". Queridos amigos, que a vida deste evangelizador seja um encorajamento e um modelo para os sacerdotes, para que sejam homens de Deus como ele o foi! Que o seu exemplo ajude os numerosos cristãos que são perseguidos por causa da sua fé nos dias de hoje! Que a sua intercessão, durante este ano da fé, produza frutos em Madagascar e no Continente africano! Que Deus abençoe o povo malgaxe!

Pedro Calungsod nasceu aproximadamente no ano 1654, na região de Visayas, nas Filipinas. Seu amor a Cristo o inspirou a preparar-se como catequista com os missionários jesuítas da região. Em 1668, junto com outros dois jovens catequistas, acompanhou o Padre Diego Luiz de San Vitores para as Ilhas Marianas com o fim de evangelizar o povo Chamorro. Nesse lugar, a vida era difícil e os missionários enfrentaram a perseguição nascida da inveja e de calúnias. Pedro, contudo, demonstrou uma grande fé e caridade, e continuou catequizando os seus muitos convertidos, dando testemunho de Cristo através de uma vida de pureza e dedicação ao Evangelho. O seu desejo de ganhar almas para Cristo se sobrepunha a tudo, e isso o levou a aceitar decididamente o martírio. Morreu no dia 2 de abril de 1672. Algumas testemunhas contaram que Pedro poderia ter fugido para um lugar seguro, mas escolheu permanecer ao lado do Padre Diego. O sacerdote, antes de ser morto, pôde dar a absolvição a Pedro. Que o exemplo e o testemunho corajoso de Pedro Calungsod inspire o dileto povo das Filipinas a anunciar corajosamente o Reino e ganhar almas para Deus!

Giovanni Battista Piamarta, sacerdote da Diocese de Brescia, foi um grande apóstolo da caridade e da juventude. Percebia a necessidade de uma presença cultural e social do catolicismo no mundo moderno, por isso se dedicou ao progresso cristão, moral e profissional das novas gerações, com a sua esplêndida humanidade e bondade.
 Animado por uma confiança inabalável na Providência Divina e de um profundo espírito de sacrifício, enfrentou dificuldades e fatigas para dar vida a diversas obras apostólicas, entre as quais: o Instituto dos pequenos artesãos, a Editora Queriniana, a Congregação masculina da Sagrada Família de Nazaré e a Congregação das Humildes Servas do Senhor. O segredo da sua vida, intensa e ativa, residia nas longas horas que ele dedicava à oração. Quando estava sobrecarregado pelo trabalho, aumentava o tempo do encontro, de coração a coração, com o Senhor. Demorava-se de muito bom grado junto do Santíssimo Sacramento, meditando a paixão, morte e ressurreição de Cristo, para alcançar a força espiritual e voltar a lançar-se, sempre com novas iniciativas pastorais, à conquista do coração das pessoas, sobretudo dos jovens, para levá-los de volta para as fontes da vida.

"Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, pois, em vós, nós esperamos!" Com essas palavras, a liturgia nos convida a fazer nosso este hino a Deus criador e providente, aceitando o seu plano nas nossas vidas. Assim o fez Santa Maria del Carmelo Salles y Barangueras, religiosa nascida em Vic, Espanha, em 1848. Vendo a sua esperança preenchida, após muitas dificuldades, ao contemplar o progresso da Congregação das Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino, pôde cantar junto com a Mãe de Deus: "Seu amor de geração em geração, chega a todos que o respeitam". A sua obra educativa, confiada à Virgem Imaculada, continua a dar frutos abundantes entre os jovens e através da entrega generosa das suas filhas que, como ela, se confiam ao Deus que pode tudo.

Passo agora para Marianne Cope, nascida em 1838 em Heppenheim, na Alemanha. Com apenas um ano de vida, foi levada para os Estados Unidos, e em 1862 entrou na Ordem Terceira Regular de São Francisco, em Siracusa, Nova Iorque. Mais tarde, como Superiora geral da sua congregação, Madre Marianne abraçou voluntariamente a chamada para ir cuidar dos leprosos no Havaí, depois da recusa de muitos. Ela partiu, junto com seis irmãs da sua congregação, para administrar pessoalmente um hospital em Oahu, fundando em seguida o Hospital Mamulani, em Maui, e abrindo uma casa para meninas de pais leprosos. Cinco anos depois, aceitou o convite para abrir uma casa para mulheres e meninas na Ilha de Molokai, partindo com coragem e, encerrando assim seu contato com o mundo exterior. Ali, cuidou do Padre Damião, então já famoso pelo seu trabalho heróico com os leprosos, assistindo-o até a sua morte e assumindo o seu trabalho com os leprosos. Em uma época em que pouco se podia fazer por aqueles que sofriam dessa terrível doença, Marianne Cope demonstrou um imenso amor, coragem e entusiasmo. Ela é um exemplo luminoso e valioso da melhor tradição de religiosas católicas dedicadas à enfermagem e do espírito do seu amado São Francisco de Assis.

Kateri Tekakwitha nasceu no que hoje é o Estado de Nova Iorque, em 1656, filha de pai Mohawk e de mãe Algoquin cristã, que lhe transmitiu a fé no Deus vivo. Foi batizada aos 20 anos de idade, para escapar da perseguição, se refugiou na Missão São Francisco Xavier, perto de Montreal. Ali ela trabalhou, fiel às tradições culturais do seu povo, embora renunciando as convicções religiosas deste, até a sua morte com 24 anos. Levando uma vida simples, Kateri permaneceu fiel ao seu amor por Jesus, à oração e à Missa diária. O seu maior desejo era saber e fazer aquilo que agradava a Deus.

Kateri impressiona-nos pela ação da graça na sua vida, carente de apoios externos, e pela firmeza na sua vocação tão particular na sua cultura. Nela, fé e cultura se enriqueceram mutuamente! Possa o seu exemplo nos ajudar a viver lá onde nos encontremos, sem renunciar àquilo que somos, amando a Jesus! Santa Kateri, protetora do Canadá e primeira santa ameríndia, nós te confiamos a renovação da fé entre os povos nativos e em toda a América do Norte! Que Deus abençoe os povos nativos!

A jovem Anna Schäffer, de Mindelstetten, quis entrar em uma congregação missionária. Nascida em uma família humilde, ela conseguiu, trabalhando como doméstica, acumular o dote necessário para poder entrar no convento. Neste emprego, sofreu um grave acidente com queimaduras incuráveis nos seus pés, que a prenderam em um leito pelo resto da vida. Foi assim que o seu quarto de enferma se transformou em uma cela conventual, e o seu sofrimento, em serviço missionário. Inicialmente se revoltou contra o seu destino, mas em seguida, compreendeu que a sua situação era uma chamada amorosa do Crucificado para que O seguisse. Fortalecida pela comunhão diária, tornou-se uma intercessora incansável através da oração e um espelho do amor de Deus para as numerosas pessoas que procuravam conselho. Que o seu apostolado de oração e de sofrimento, de oferta e de expiação seja para os crentes de sua terra um exemplo luminoso e que a sua intercessão fortaleça a atuação abençoada dos centros cristãos de curas paliativas para doentes terminais.

Queridos irmãos e irmãs! Estes novos Santos, diferentes pela sua origem, língua, nação e condição social, estão unidos com todo o Povo de Deus no mistério de Salvação de Cristo, o Redentor. Junto a eles, também nós aqui reunidos com os Padres sinodais, provenientes de todas as partes do mundo, proclamamos, com as palavras do salmo, que o Senhor é "o nosso auxílio e proteção", e pedimos: "sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos" (Sal 32, 20-22). Que o testemunho dos novos Santos, a sua vida oferecida generosamente por amor a Cristo, possa falar hoje a toda a Igreja, e a sua intercessão possa reforçá-la e sustentá-la na sua missão de anunciar o Evangelho no mundo inteiro.