segunda-feira, 24 de março de 2014

Poesia de José de Anchieta - I

ANTOLOGIA

JOSÉ DE ANCHIETA

Salve Maria Santíssima! 

Começamos nesse post a divulgar algumas poesias do Bem-aventurado José de Anchieta, conforme indicação bibliográfica ao final. No dia 2 de abril próximo o Santo Padre Francisco canonizará o Beato José de Anchieta, por decreto equipolente. Considerado <<Apóstolo do Brasil>>, seus poemas são exímias catequeses. Compartilhamos com os leitores essas linhas de contornos simples, simplicidade essa que foi preocupação primeira de Anchieta, em sua obra literária. 

Viva (São) José de Anchieta!


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DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO


Ó que pão, ó que comida,
Ó que manjar
Se nos dá no santo altar
Cada dia!

Filho da Virgem Maria,
Que Deus-Padre cá mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte,

E para que nos conforte
Se deixou no sacramento
Para dar-nos, com aumento,
Sua graça,

Esta divina fogaça
É manjar de lutadores,
Galardão de vencedores
Esforçados,

Deleite de namorados,
Que, co’o gosto de pão,
Deixam a deleitação
Transitória.




Quem quiser haver vitória
Do falso contentamento,
Goste deste sacramento
Divinal.

Este dá ida imortal,
Este mata toda fome,
Porque nele Deus e homem
Se contêm.

É fonte de todo bem,
Da qual quem bem se embebeda
Não tenha medo da queda
Do pecado

Ó que divino bocado
Que tem todos os sabores!
Vinde, pobres pecadores,
A comer!

Não tendes de que temer,
Senão de vossos pecados.
Se forem bem confessados,
Isto basta,

Qu’este manjar tudo gasta,
Porque é fogo gastador,
Que com seu divino ardor
Tudo abrasa.

É pão dos filhos de casa,
Com que sempre se sustentam
E virtudes acrescentam
De continho.

Todo al é desatino,
Se não comer tal vianda
Com que a alma sempre anda
Satisfeita.

Este manjar aproveita
Para vícios arrancar
E virtudes arraigar
Nas entranhas.

Suas graças são tamanhas
Que não se podem contar,
Mas bem se podem gostar
De quem ama.

Sua graça se derrama
Nos devotos corações
E os enche de bênçãos
Copiosas.

Ó entranhas piedosas
De vosso divino amor!
Ó meu Deus e meu Senhor
Humanado!

Quem vos fez tão namorado
De quem tanto vos ofende?
Quem vos ata? Quem vos prende
Com tais nós?

Por caber dentro de nós
Vos fazeis tão pequenino,
Sem o vosso ser divino
Se mudar!

Para vosso amor plantar
Dentro em nosso coração,
Achastes tal invenção
De manjar,

Em o qual nosso paladar
Acha gostos diferentes,
Debaixo dos acidentes
Escondidos.

Uns são todos incendidos
Do fogo do vosso amor;
Outros, cheios de temor
Filial;

Outros, co’o celestial
Lume deste sacramento,
Alcançam conhecimento
De quem são;

Outros sentem compaixão
De seu Deus, que tantas dores,
Por nos dar estes sabores,
Quis sofrer,

E desejam de morrer
Por amor de seu amado,
Vivendo sem ter cuidado
Desta vida.

Quem viu nunca tal comida,
Que é sumo e todo bem?
Ai de nós! Que nos detém?
Que buscamos?

Como não nos enfrascamos
Nos deleites deste pão
Com que nosso coração
Tem fartura?

Se buscamos formosura,
Nele está toda metida;
Se queremos achar vida,
Esta é.

Aqui se refina a fé,
Pois debaixo do que vemos,
Estar Deus e o homem cremos,
Sem mudança.

Acrescenta-se a esperança,
Pois na terra nos é dado
Quanto nos céus guardado
Nos está.

A caridade, que lá
Há de sei perfeiçoada
Deste pão é confirmada
Em pureza.

Dele nasce a fortaleza,
Ele dá perseverança,
Pão de bem-aventurança,
Pão de glória,

Deixado para memória
Da morte do Redentor,
Testemunho de seu amor
Verdadeiro.

Ó mansíssimo cordeiro,
Ó menino de Belém,
Ó Iesu, todo meu bem,
Meu amor,

Meu esposo, meu senhor,
Meu amigo, meu irmão,
Centro do meu coração,
Deus e pai!

Pois com entranhas de mãe
Quereis de mim ser comido,
Roubai todo meu sentido
Para vós!

Prendei-me com fortes nós,
Iesu, Filho de Deus vivo,
Pois que sou vosso cativo,
Que comprastes

Co’o sangue, que derramastes,
Com a vida, que perdestes,
Com a morte, que quisestes
Padecer!

Morra eu, por que viver,
Vós possais dentro de mim.
Ganhai-me, pois perdi
Em amar-me.

Pois que para incorporar-me
E mudar-me em vós de todo,
Com um tão divino modo
Me mudais,

Quando na minh’alma estrais
E dela fazeis sacrário
De vós mesmo, e relicário
Que vos guarda,

Enquanto a presença tarda
Do vosso divino rosto,
O saboroso e doce gosto
Deste pão

Seja minha refeição
E todo meu apetite,
Seja gracioso convite
De minha alma,

Ar fresco de minha calma,
Fogo de minha frieza,
Fonte viva de limpeza,
Doce beijo

Mitigador do desejo
Com que a vós suspiro e gemo,
Esperança do que temo
De perder.

Pois não vivo sem comer,
Coma-vos, em vós vivendo,
Viva a vós, a vós comendo,
Doce amor!

Comendo de tal penhor
Nele tenha minha parte
E depois, de vós me farte
Com vos ver!

                                               Amém.


Nossos Clássicos, 36 – José de Anchieta, poesia, páginas 13-20: AGIR – Rio de Janeiro, 1959

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